Fotografia 3 - Encontro (vôo)

Envolvido, relaxado, o anjo em sonho e o corpo alado partilham asas, tecem nuvens onde possam caminhar. O ser que sonha encontra abrigo em ações minuciosas, espontâneas, cuidadosas... Furtivos gestos que transportam entre olhares, sobre um arco, por detrás da íris, ares, eros e a flecha que lançou. Tudo em si deflagra em brasas, flecha, arco e o arqueiro sempre alado, até mesmo o ser sem asas despe a sua carapaça, se liberta da couraça, amolece a armadura, se propõe ser terno e cura, porque mesmo sem procura já entende o que encontrou.

Fotografia 2 - Asas (movimento)

Os pés que relaxam sobre a nuvem, lentos, repousam à mercê dos ventos. Um sopro sibilante que às vezes, mesmo muito distante, arrepia todos os pelos, cada fio de cabelo. Desperta o corpo, se levanta, revela infinitas penas que brotam bem no meio das costas e se abrem num enorme par de asas profanas. Carregar asas assim carece força sobre-humana. Mas voar... Ah! Voar sem medo, sem pudor, vale o desafio, a dor, o amor! Vale conquistar o mundo e até se deparar com as mãos geladas e o leve tremor dos lábios mordidos, avermelhados, de outro ser angelical. O corpo alado pode agarrar o anjo que não voa, envolvê-lo sem pena no meio das suas asas, junto ao peito, e mantê-lo assim bem abrigado, quente, embriagado, ambos soltos, relaxados.

Fotografia 1 – A Nuvem (silêncio)

Os pés que caminham sobre a nuvem, lentos, sentem cócegas com os afagos de algodão. Os pés quaaase flutuam, tocam assim bem de levinho os alvos novelos e, tão felinos, de repente sustam o passeio. Parecem empurrar delicadamente a nuvem... Que permanece com o tecido íntegro! Trançada como fios de cabelo entre os dedos. Após repentina pausa, a misteriosa silhueta deita e, vértebra por vértebra, o corpo serpenteia, se deixando transpassar pelos afagos de algodão. Faz cócegas, penteando cada pelo, soprada por algum vento, a nuvem toca assim bem de levinho até a raiz dos cabelos, emaranhada, se entrelaça desde os dedos, dos pés que relaxam, lentos.

Céu da Periferia

Feroz esfera incandescente
Candeia laranja e indecente
As águas da baía, fita
Escorre sobre a palafita

E do lado oposto bela esfera
Sobe cintilante à espera
Com andorinha voando rente
E avião rasgando lentamente

N(O) CÉU DA PERIFERIA

Será que se encontram? Um dia...
Final de tarde primaveril
Entre um violeta raio vil
Ardendo em febre, céu anil

Mas à espreita ali embaixo
Dão sua vida, chove bala
Livre comércio, trânsito para
E o alvo tecido melado odara

Cobrindo a palha, cheirando a doce
Chupam os dedos, quem dera fosse
Lambem os beiços nessa quimera
Dourado azeite e... Ah! Quem dera? 

N(O) CÉU DA PERIFERIA.

Quelônio

Esse chão...
É solo sagrado
Quelônio, pegada
De firme pisada
Pé de planta que cura
Pede fruta madura
Piranga, Ajapá
Quatro pés, andar arrastado
Curioso, apressado
Olhou pra Lagoa e viu, riu
Do rio da bacia do lado
Refletir segredos, sonhar
Sagrado, esse chão é solo, é mãe
Punhado de (a)mar.

Amaro

Que há nessa caixa?
Que em mim não encaixa
Que assim encaixota
Em si na xoxota

Há! Prende menino
Fecha o elo em copas
Não cabe menina
Ness'escuras corpas

Só cala-te boca
Que há nessa caixa?
Douradas vergonhas
Que a múmia enfaixa

Só falo na caixa
Que a ti encaixota
Agridoce amaro
Se agride, enxota.





Na Trave

Bateu na trave
A trave trava
Trava essa língua
Deixa de entrave

Bateu na trave
Travou batalha
Água da calha
Fogo nas ave

Depena branca
Cozinha em brando
Tempera têmpora
Delineando

Bateu na trave
Travou na pose
Maria, ave!
La vie en rose.

A serpente

A serpente de escamas coloridas
Furta-cor
Rouba o tempo ensolarado
E a mim toma de assalto
Aiai, ioiô

Se reparte o céu primário
Dois pedaços não-binários
Causa espanto em toda gente
Há quem fique indiferente
Mas não ficou

A serpente surpreende
Ao abrir os seus caminhos
Tem quem espie o despontar
Desde o desapontar
Aguaceiro que caiu

Caiu, mas levantou
Na rasteira se arrastou
Roubou só o que era seu
Quem mandô pegá, pegô?
Dê meu arco e minha cabaça
Dê que eu vou tocá, decá
Arrobobô!

Guerreira, eu?

Guerreira
VOCÊ pode, VOCÊ consegue
Sozinha!
Assim vamos forjando
Guerreiras
Que não podem, não conseguem
Nem se descansar em paz
Ou "ajuda" pra cuidar de tudo e todes
Dizer NÃO no seu limite
A "guerreira"
NÃO TEM LIMITES
Tudo pode, nem reclama
Pensa positiva-mente
A guerreira é tipo assim...
Uma santa, né?
É ser forte, resistente
Estudando, na empresa
E em casa fazer milagre
Manda flores pra guerreira
Ensaiando enquanto é viva
Respirando entre os espinhos
Reza e faz um tanto além
Se a pessoa vive em paz
Não quer guerra com ninguém.

Quer que eu desenhe?

Onde você mete o seu preconceito cultural?
Na dança, na música, nos muros da cidade
Onde você enfia o seu preconceito cultural?
No jeito de falar de quem escapa das normas
Mete o pau nas roupas, na falta delas
Enfia o dedo na ferida das corpas que rompem padrão
Onde? Por não gostar, não se identificar, não se afinar
Com formas outras de expressão, de brincar, de fruição
Quando não se parecem com o ideal eurocêntrico, cristão...

Sabe? Ninguém é obrigade a gostar das mesmas coisas
Mas respeito é bom e todo mundo gosta, né não?

Se não é igual ao que você aprendeu
Ao que te ensinaram ser bom, bonito, superior
Ao que você busca para si, por acreditar ser o melhor
Não vá dizer que o diferente não presta, viu, pai?
Em sua terra tem gíria? Na minha também tem
E por aqui quem é mãe não tem nome
Quem não é chamam também
Até quem é filha é mãe(zinha), é paizinho, painho, mainha
É meu vô, minha vó, é vô(inho), voinha

Vambora fazer o nosso e deixar a vida duzôto, véi?
Tendeu bê, viu coisinha?

Métrica Desmedida

E já nasce cancelada
Mendigando engajamento
Mulher negra, mãe, rebento
Desarmônica vê!nus eras

Vai vivendo cancelada
Contraria os algoritmos
Solo sobe nesse palco
Ginga o caos de las esferas

Sobrevive cancelada
Quem te curte? Me diz like
Comentou capa(cis)tista
Viraliza no momento

Trans'ferir ressentimento
Se for bom poucos se movem
Storinha "inocente"
Ecos, egos, elos morrem.