retiSente

Adoro umas reticências
Aqueles três pontinhos
Um ao lado do outro
Que sinalizando "quase" nada
Significam muito

Ai, adoro umas reticências
Saber que em algum lugar do texto
Existe um portal
Que nos permite
Imaginar o que não está escrito

Reticências são
Como aquele momento
Aonde sonhamos...
E de repente acordamos
Sem traduzir o indizível

E é por isso que eu adoro
Ah! Como eu adoro as reticências
É o direito de sentir
De não precisar dizer
E até de desdizer o que já nem foi dito.

Espinheiro de Natal

É
Amor
Reciprocidade
Ao herdarmos a "culpa" do cristianismo
(aqui não me refiro a Jesus, o Cristo)
Porque devemos/queremos a todo custo parecer bons
Confundimos amor com obrigação, com apego
Com EGO
Amor não é presente, é presença
É respeito, cuidado
AUTORESPEITO, AUTOCUIDADO
Amor-próprio também é amor!
E começa por aí.
Não inveje, não critique, não julgue!!!
Reflita sobre as suas crenças limitantes
Preconceitos
Não discrimine
Você pode, você consegue?
Amor não é sobre a SUA opinião
Ou projeções das relações de poder
Não é sobre o que VOCÊ idealiza sobre outrem
Que por mais santificado(a)
Também jaz crucificadE
Amor é como você se sente nos lugares aonde vai
E com quem deseja estar (sem fingimento)
Refletindo, praticando TUDO isso
E não somente por uma noite/dia
Mas também!
Amor é responsabilidade
Consigo e com as outras pessoas por extensão
Faça SEMPRE escolhas conscientes
Não importa em qual religião, tradição, arranjo familiar
Por um Natal + inclusivo e menos indigesto
Amor é
RE
CI
PRO
CI
DA
DE


(Ver versão para web)

O Fantasma do Espelho

O fantasma do espelho não consegue dormir.
Acordado e tentando sair do mergulho abissal no lugar mais sombrio de mim.
Lugar onde em algum momento sempre se acaba voltando...
Não é um lugar de onde se consegue sair facilmente, pois, na madrugada, escura, solitária, é um lugar familiar e é só MEU. Com todas as memórias mais dolorosas, mas ainda sim seguras. Não tem música, somente vozes já ouvidas, palavras proferidas por outras pessoas. É protetivo, porque as memórias, apesar de muito tristes, são reais, de quando deixamos de fantasiar ou acreditar em sonhos e nos deparamos com os fatos e pessoas como elas são de verdade, inclusive nós, então não há possibilidade de novas decepções nesse lugar. Não cabe o que nos fizeram acreditar ou o que gostaríamos que fosse verdade, cabe apenas desilusões, desenganos que, mesmo com tamanho peso, têm a beleza assustadora do que ou quem deixou de usar máscaras. O "abismo" não nos julga, nos puxa de volta, porque o mundo de fora é demasiadamente ilusório, com estruturas desgastantes. Contudo se eu não transitasse entre esses dois mundos, eu não teria os canais abertos para criar, escrever, compor, interpretar. O abismo, poderoso, contém as lembranças de quem em algum momento desiste de nos acompanhar, proteger e uma vez estando lá podemos SER sem medo de desagradar, se esconder, tentar respirar, fugir da rotina que nos sufoca e das coisas que nos obrigam a fazer, sistematicamente, nos roubando das outras que necessitamos visceralmente materializar!

Contra Ação - Relaxamento

Tem hora que o peito distrai
Cansado a bater sutilmente
O tempo que já foi algoz
Sem pilha correu calmamente

Que faz sem ter tempo a resposta?
Pergunta tem tempo de sobra
Na falta lá sabe o que mostra
Se perde cá inultimente

Faz figa, o pulso, a algema
Se vai, o anel finca o dedo
Magoa quem já tem ferida
Se fecha o punho com medo

Um ritmo incerto batuca
A voz desafina no peito
Relaxa! O pedido ignora
Se cala, desiste sem jeito.

Contração

Tem hora que o peito contrai
A força do aperto é tão grande
Cá dentro ficando pequeno
Do tanto que o peito se trai

Se trai sem ter hora marcada
Se atrasa bem pontualmente
Cá dentro em meio segundo
Bagunça o tempo da gente

Tem hora que o peito é contente
Sorri bem de leve, brincante
Mas pesa e assim de repente
Se fecha em si tão arfante

Se fecha, se trai, se contrai
O peito importunamente
Lá dentro mal sabe o que faz
Tristeza atrai claramente.



Germinando

Em seus olhos água
Água de ti transborda
Transborda, se derrama
Por fora e dentro de mim

Em sua pele água
Água de ti transborda
Transborda, se derrama
Por fora e dentro de mim

Em sua boca água
Água de ti transborda
Transborda, se derrama
Por fora, dentro de mim

E dentro de ti deságua
Desemboca, língua, palato
Umedece afim no mato
Quando o grelo aflora enfim.

Repentinamente

De repente, não mais que de repente
Fez-se loucura o que julgou curado
Por se espelhar amado
Se viu amargurado

De repente, não mais que de repente
Deixou partir o que já era unido
Sem ter silenciado
Se ouviu arrependido

De repente, não mais que de repente
Decepcionado
Por confiar no verbo
Partiu desconfiado

E de repente, bem repentinamente
Seguiu ensimesmado
Pensou: "Sinceramente
Melhor ficar calado".

Transbordar

Lágrima também é mar
Escorre morna e vem em ondas
"Não chore não" ela diz
Mas como conter maré?
Uma só lágrima pode desaguar
Toda tristeza do oceano
Que "homem não chora" ele diz
Mas toda a imensidão de sentires
Represa dentro de si

Lágrima também é mar
Escorre morna e lava o corpo
De quem dói e também sorri
Quem tem coragem ou fortaleza
Que importa se...
Maremoto, sonoras ondas, silenciosa
Lágrima também é mar
E só deseja transbordar!

Enigma para Dois Quartetos

O sol já vem
Solar a solidão
Lá vai, mais uma vez
Em si não cabe não

Saudade es mi sólo
Me cala e sequer faz
Não tem remédio
E tanto dó me traz...

A meia

Amei a meia
A meia meia
Meus pés tão aquecidos
Mas não de ti esquecidos

Amei a meia
A meia meia
À meia-luz
Ao calor faz jus

Cada delicado detalhe
Nosso preciso e precioso entalhe
Sem mentira, falsidade
Ou meia verdade

Je t'aime cê me diz
Te amei, te amar eu quis
A mei'amei também
Da vida presente

Meu pé anda contente
Mesmo assim nesse frio!
O inverno anda pungente
Distância percorre a gente

Acordo, caminho firme
Inteira busco te ver
Percalço só calço a meia
Amei a mei'amo você.




Calafrio

Manter a chama acesa
É sobre viver
Ouvindo sussurros da fria ventania
Caminhando delicadamente
Os dedos ao longo da espinha
Subindo degrau por degrau cada vértebra
Enquanto a raiva da sensação
Domina
O medo de sentir, confunde, contrai, silencia
Cala! Frio.

Ensaio Sobre a Visão

Eu a vi
Vi com olhos de cigana
Com a visão e com a vidência de quem enxerga muito além
Vi o essencialmente invisível em contra(sons) ventriculares
Vi a divindade, seus olhares com íris e ares de mares
E dentro dos meus olhos espelhos seus lares

Eu a vi
Vi incorporando o incorpóreo
Na elevação do vestir a branca cor do indizível
Vi regressar dilatada a borda das pupilas de cor indescritível
E num susto por inteiro descortinadas as belas retinas nada fatigadas
Elevar, regressar, descortinar lançando incandescentes olhadas

Eu a vi
Vi com olhos de cigana
Com a luz da íntima e intuitiva prece
De quem enxerga no encontro a reza
De quem observa em hipnotizantes olhos
A doce e indiscutível visão do amor que se revela.














Eclipse

Talvez nem entenda...
Destrancada escotilha
O barco balança
A Lança
Me lança em alto mar

Talvez nem perceba...
Profundo mergulho
Envolta no abraço
O laço
Desfaço ao me soltar

Talvez nem se lembre...
Tropeço na prancha
De dentro do casco
No asco
Afogo ao mergulhar

Talvez nem escute...
Escuro chamado
Lá dentro do abismo
Eu cismo
Memórias a evocar

Talvez nem alcance...
Imenso é o passo
Tão dentro do peito
O leito
Se põe a esfriar

Talvez nem me sinta!
Tamanha ferida
Choro sem alarde
Só arde
Na entrega se afastar.





Apenas uma Mulher Talvez

Ser mãe é nascer junto com a cria, é expandir as emoções
Deixar partir o antigo corpo só pra caber mais corações
É que ser mãe é não saber, é aprender a caminhar
Enquanto corre da incerteza com hora certa pra chegar
Ninguém te ensina como é, como vai ser quando acordar
Até porque a mãe não dorme, nem quando deita pra sonhar
E com o que sonha uma mãe, se todo dia é um penar?
Uma febre, um dentinho, um joelho pra ralar...
Ser mãe mesmo eu nem te conto, ainda mais nesse país!
Quer ver? Olhe as mães pretas, as indígenas, sobrevivem por um triz
É o que tem me intrigado, a mãe fraca resistir
Lutar pra alimentar a cria e ainda por cima sorrir
Mas de repente, minha gente, ela é apenas uma mulher talvez
Uma pessoa que nem as outras sonhando ter voz e vez.

Verde Folha

Desprendida verde folha
Por cair despercebida
Foi pousar entre muralhas
As mais resistentes, altiva

Sua rainha se banhava
Por se achar bem protegida
Deita a folha em seu ombro
Desce por seios, barriga

Mas a folha verde folha
Se transforma em serpente
Dentro d'água pelas pernas
Se enrosca docemente

Sobe, vai serpenteando
Mãos e braços da rainha
Pelo colo, em seu pescoço
Verde cobra se aninha.

Verde Musgo

A mulher de veste verde musgo
Enxuga meu corpo úmido
Das lágrimas que correm feito rio
Gélidas, às margens do meu leito vazio
Sem ao menos ela saber...

Envolve os cabelos com tecido claro
E é claro, devolve o brilho dos meus olhos nus
É luz!
Da mulher de veste verde musgo
Suntuosos colares escorrem sobre o peito
É também magia, rubras gotas guia
Já me perdi nas contas do quanto me levou pra dentro
Sob o verde musgo jaz meu pensamento

É que essa mulher, ela nem sabe
Mas quem sabe entende
Que por não ser indiferente
Plantou seu olhar e fez brotar, enraizar semente
Cavou fundo em meu vazio
Desconfio que ela sente

A mulher de verde musgo veste o seu claro tecido
Descobrindo em minha frente o que me faz calar a alma
Até esqueço se estou a me dizer que eu devo ir com calma
Puro medo de doer

Porque a mulher de veste verde musgo
Tem uma beleza rara
Um olhar que nem de longe se compara
Aos tantos pares de olhos que já vi
E de tanto ver tudo virar cinza
De me perceber tão demasiada ou esvaziada à pinça
Ah! Mulher... Duvidei meu merecer.

Poética para Rosário: Suspiro na Noite de Pingos

Te vejo dormir, majestade
Seu corpo ouvi respirar
Escuto bem perto de ti
O vento, as folhas, o mar

O ar eu mirei em seu peito
Suspiro sem te acordar
Me deito juntinho de seu leito
Quieta pra não te assustar

Pingando a chuva, eu sem medo
Lá fora e dentro de mim
Rainha! És linda, percebo...

Vigio nossa noite, inda é cedo!
Soprando as folhas ao vento
Um pingo escorre pro mar.

Poética para Rosário: Santuário

Se sua flor fosse uma rosa
Poderia ser vermelha
Eu iria toda prosa
Acender essa centelha

De carona nesse rastro
Viajar nesse cometa
Segurando em sua mão
Visitar outro planeta

Cronos não se importaria
Não ligava para o Tempo
É só nosso esse momento
Pra viver sem correria

E se as rosas fossem muitas
Eu faria um santuário
Transpirando em suas mãos
Perfumava esse Rosário.

Poética para Rosário - Quinto Mistério Gozoso: Perda e Encontro

Em todo encontro uma perda
A cada perda o espanto
Incandescente a lagarta
Voando com todo encanto

Escapo se aperta o cerco
Se me encontrar eu te pego
Em todo encontro me perco
Noturnas flores eu rego

Vou me perdendo em encontros
Ou vamos trocando a pele
Os pelos raspam na pelve
Traduz sua língua nos contos

Rasteja serpenteando
Rezando ou riscando pontos
Desnuda, o véu jaz perdido
E diz amém transmutando.

Poética para Rosário - Quarto Mistério Gozoso: Apresentação

Entre gozos e mistérios
Devotada
Vou aqui tecendo fios
Da meada

Entre gozos e mistérios
Devo nada
Vou em ti fazendo trança
Nessa trama semeada

Entre gozos e mistérios
Metafóricas, caladas
Ímãs, polos, hemisférios
Em desordem coordenadas

Entre gozos e mistérios
E mistérios tão gozosos
Cunho na pele o rascunho
Dos seus versos prazerosos.

Poética para Rosário - Terceiro Mistério Gozoso: Nascimento

E se possível voltar pro útero?
Reencontrando a passagem
Com uma forte massagem
Relaxar seu coração

Contrair bem apertado
Já com o corpo relaxado
Nu seu peito emocionado
Desejando proteção

Escorrer por entre as pernas
Entrando nessa jornada
Tener el alma calentada
Sussurrar doce canção

Em sonoros batimentos
Sentimentos ritmar
Perpassando grandes lábios
Mergulhando mares vários
Pra no colo se encostar.

Poética para Rosário - Segundo Mistério Gozoso: Visitação

Me soprou poesia
Na beira do dia
Leve trouxe mensagem
E nada escondia

Dama assim tão intensa
Na borda da noite
Me cantando em prosa
Sem medo de açoite

Tão longínquo caminho
Sinuosas miragens
Pares, duplas montanhas
Curvas tardando às margens

De esquina manhã
Recebido recado
Me encruzou a visita
Madruguei sem pecado.

Poética para Rosário - Primeiro Mistério Gozoso: Anunciação

Não me provoca
Chama!
Acende a chama
Que me faça ascender
Pousar num galho
Sobre asas, sem querer
Pisando em brasas
Vou nas cinzas renascer

Cata minhas penas
Enfeita meus cabelos, assanha
Minha carne forte arranha
Sem as unhas, não me fere!
Já me sangra essa pele
Que já veio de lá pingando
Tropecei em suas palavras
Vim assim cambaleando...

Não me convida
Clama!
O calor de perto arde
Mas de longe sem alarde
Cê me viu, quer plantar folha
Voo com o vento, não me colha
Vem, me sopra, Ave Maria!
O que sobra? Poesia.

Sonho

Onde sai a voz
Onde entra o vento
Lento
Vento e voz
Encostam no tempo
Se gostam... Silente
Nem voz, nem vento
Nas corpas, na mente
Carinho somente.

Calçada

É bom se voltar pra dentro
Habitar no interior
Pois lá tudo é só paisagem
Sem lugar para rancor

Pé descalço em terra firme
Caminhar sem ligeireza
Passarinho voa livre
Nos convida, natureza!

O oposto é a cidade
Onde tudo é muito cinza
Tem cimento em toda parte
Gente rasa e ranzinza

Mas fazer o quê? Não posso
Me livrar desse destino
Quando tento me afastar
Mais parece um desatino

Então aqui vou vivendo
Pé calçado na caçada
Competindo com os carros
Um lugar nessa calçada.

A Última

A última a sair retire a mesa
Repare que o amor é bem servido
Só coma, não recuse a sobremesa
E cuspa, mas me deixe a vela acesa

A última a sair que lave os pratos
Varrer do chão migalha para os ratos
Limpar tudo e rasgar qualquer lembrança
No lixo jogar fora a esperança

A última a sair tire a aliança
Esquece o que mais pesa na balança
Aquece o coração gelado, a lança
Meteu tão fundo o dedo na ferida

A última a sair cuide da vida
Veneno na maçã toda mordida
Engole o beijo e o doce do café
Primeira nunca mais verão quem é

A última a sair apague a luz
Desvele a cor e a dor dos corpos nus
Desencaixando as curvas que eram eternas
Revele o gozo findo que entre as pernas

Da última a sair fugiu sem penas
Virando a folha sem secar a tinta
Borrando, rejeitando a ingenuidade
Levantou voo, partiu, felicidade.