Calafrio

Manter a chama acesa
É sobre viver
Ouvindo sussurros da fria ventania
Caminhando delicadamente
Os dedos ao longo da espinha
Subindo degrau por degrau cada vértebra
Enquanto a raiva da sensação
Domina
O medo de sentir, confunde, contrai, silencia
Cala! Frio.

Ensaio Sobre a Visão

Eu a vi
Vi com olhos de cigana
Com a visão e com a vidência de quem enxerga muito além
Vi o essencialmente invisível em contra(sons) ventriculares
Vi a divindade, seus olhares com íris e ares de mares
E dentro dos meus olhos espelhos seus lares

Eu a vi
Vi incorporando o incorpóreo
Na elevação do vestir a branca cor do indizível
Vi regressar dilatada a borda das pupilas de cor indescritível
E num susto por inteiro descortinadas as belas retinas nada fatigadas
Elevar, regressar, descortinar lançando incandescentes olhadas

Eu a vi
Vi com olhos de cigana
Com a luz da íntima e intuitiva prece
De quem enxerga no encontro a reza
De quem observa em hipnotizantes olhos
A doce e indiscutível visão do amor que se revela.














Eclipse

Talvez nem entenda...
Destrancada escotilha
O barco balança
A Lança
Me lança em alto mar

Talvez nem perceba...
Profundo mergulho
Envolta no abraço
O laço
Desfaço ao me soltar

Talvez nem se lembre...
Tropeço na prancha
De dentro do casco
No asco
Afogo ao mergulhar

Talvez nem escute...
Escuro chamado
Lá dentro do abismo
Eu cismo
Memórias a evocar

Talvez nem alcance...
Imenso é o passo
Tão dentro do peito
O leito
Se põe a esfriar

Talvez nem me sinta!
Tamanha ferida
Choro sem alarde
Só arde
Na entrega se afastar.





Apenas uma Mulher Talvez

Ser mãe é nascer junto com a cria, é expandir as emoções
Deixar partir o antigo corpo só pra caber mais corações
É que ser mãe é não saber, é aprender a caminhar
Enquanto corre da incerteza com hora certa pra chegar
Ninguém te ensina como é, como vai ser quando acordar
Até porque a mãe não dorme, nem quando deita pra sonhar
E com o que sonha uma mãe, se todo dia é um penar?
Uma febre, um dentinho, um joelho pra ralar...
Ser mãe mesmo eu nem te conto, ainda mais nesse país!
Quer ver? Olhe as mães pretas, as indígenas, sobrevivem por um triz
É o que tem me intrigado, a mãe fraca resistir
Lutar pra alimentar a cria e ainda por cima sorrir
Mas de repente, minha gente, ela é apenas uma mulher talvez
Uma pessoa que nem as outras sonhando ter voz e vez.

Verde Folha

Desprendida verde folha
Por cair despercebida
Foi pousar entre muralhas
As mais resistentes, altiva

Sua rainha se banhava
Por se achar bem protegida
Deita a folha em seu ombro
Desce por seios, barriga

Mas a folha verde folha
Se transforma em serpente
Dentro d'água pelas pernas
Se enrosca docemente

Sobe, vai serpenteando
Mãos e braços da rainha
Pelo colo, em seu pescoço
Verde cobra se aninha.