Umbilical

Não é preciso sorrir para o público
A arte agora atravessa um corpo cheio de dor
Minha dor só não é maior que a dor de minha mãe
E a dor de minha mãe só não é maior que a dor de minha vó
Que não tivemos a chance de conviver
Mas a dor de minha vó nem se compara com a dor de tantas outras antes de nós
Filha, a próxima nasce mais forte!
Não é preciso sorrir para o público
Não é preciso sorrir, tampouco chorar pelo leite derramado
Sangue derramado, umbigo, cordão
Não é preciso aplaudir no final não
Termina aqui, acaba com o silêncio
O fim já começou faz tempo...

O início se finda, mas o ciclo não se fecha
É o passado convivendo com o futuro que se faz presente
Nessa existência efêmera
Impressa na memória de cada pedra, plantada, pisada
Cinza, são cinzas
Poeira, pó
És barro, enterra, firme
Esbarro em terra firme
Raiz minha, nossa
Senhora!
Sua dor não é maior
Ela te fez mais forte.

Passarinho

Passarinho, bico, cordão
Ele, contemporâneo
Faz a sua construção

Outro dia eram galhos e raízes
Hoje em dia pouca árvore
Muitas crises

Cuidado com os fios
Eletricidade
Perdoe a bagunça da cidade

Faz seu ninho, pousa lá com seu cordão
Faz um bico, passarinho
Passarão...

Em canto

Na noite fria, solitária
Depois que dorme a cria
Invisível ao mundo
É ela, a mãe
Alimento, apenas
Quando o silêncio chega
Rasgando
Seu corpo
Já não existe mais
Na noite fria, solitária
Antes que acorde o mundo
Ela, mulher
Memórias, apenas
Do mundo esquecido
Na noite fria, solitária
Quando a lua se enche, distante
Ói ela, molhada
Sereia, apenas.

2.2.2018

Soneto de um amor só

Amor? Só há
Barriga cheia, berço vazio
Amor? Só há
Boca fechada, peito frio

Amor? Só ar
Barriga vazia, berço cheio
Abre boca, enche peito
Deixa o rio, amor, soar...

Nove meses, três
Dois às vezes
Nada move há seis

Amor? Só, ah!
Barriga, berço, boca, peito
Sou mais uma vez.

7.12.2017